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Editorial: Quem será o próximo Chagas Filho?

Caso de jornalista marabaense não é isolado. A violação do direito à presunção de inocência — princípio basilar da Constituição — tornou-se uma constante no ambiente digital, afetando pessoas de diferentes origens e posições sociais

No calor dos debates – ou seriam embates? – digitais, a verdade costuma ser a primeira vítima. Nesta semana, um suposto áudio atribuído ao jornalista Chagas Filho, veterano da imprensa marabaense, foi lançado ao público sem filtro, sem critério e, acima de tudo, sem responsabilidade. O conteúdo do material, cujas declarações foram rapidamente absorvidas por parte do público, levanta suspeitas sobre supostas pressões políticas dentro de um dos principais grupos de comunicação do estado.

Não cabe a este portal, nem a qualquer outro veículo sério, fazer perícia de voz ou se lançar ao terreno escorregadio das suposições travestidas de certezas. O que temos até aqui é um áudio apócrifo, compartilhado nas redes sociais, atribuído a um jornalista com mais de 30 anos de atuação em Marabá — e nada além disso. Até agora, não há qualquer laudo técnico que comprove a autenticidade do áudio, tampouco análise conduzida por especialistas em identificação de voz. Mesmo assim, no tribunal apressado das redes sociais, já se emitiu a sentença. Atribuiu-se a autoria, julgou-se a intenção e condenou-se a voz — ainda que sua origem permaneça em aberto.

O mais grave é que esse material atribui, ainda que de forma indireta, crimes a terceiros. Isso deveria, por si só, acionar um sinal de alerta. Mas o que se viu foi o contrário: houve quem, com intenções visivelmente políticas, promovesse o conteúdo, amplificasse sua audiência e, irresponsavelmente, lhe desse o peso de uma prova concreta. Se, ao fim, for comprovado que o áudio é manipulado – o que não podemos nem afirmar nem descartar, estaremos diante de mais um exemplo do poder destrutivo da desinformação — que destrói reputações com a agilidade de uma “mensagem encaminhada”, que logo se transforma em “encaminhada com frequência”, mas raramente gera retratação à altura do dano causado. E Chagas Filho, embora agora no centro da polêmica, não é um caso isolado. A violação do direito à presunção de inocência — princípio basilar da Constituição — tornou-se uma constante no ambiente digital, afetando pessoas de diferentes origens e posições sociais.

Chagas não é um desconhecido do marabaense. É professor e jornalista experiente, com trajetória sólida na imprensa escrita e há cinco anos também na televisão. Seu histórico mostra um profissional que sempre buscou ouvir todas as versões de um fato — compromisso ético essencial à prática jornalística. Não se pode dizer o mesmo da forma como foi tratado nos últimos dias. Ao contrário do tratamento que sempre dispensou aos outros, Chagas não teve o direito de resposta assegurado por quem espalhou o conteúdo. Precisou recorrer às próprias redes sociais para negar, categoricamente, a autoria da suposta gravação; sugeriu, ainda, que o conteúdo pode ter sido gerado por inteligência artificial.

Se é ou não inteligência artificial, se é ou não sua voz, essa é uma questão que só uma perícia pode resolver. Qualquer afirmação fora disso é palpite — e com consequências sérias.

O que se espera, neste momento, é equilíbrio. A voz atribuída a Chagas pode até soar familiar a alguns. Mas o peso da dúvida exige mais do que a familiaridade de um timbre. Exige cautela, responsabilidade e respeito ao devido processo dos fatos. O jornalismo, quando sério, se firma sobre a verificação. E quando vacila nisso, perde sua essência.

Este editorial não é uma absolvição. Tampouco uma condenação. É um apelo à prudência — essa virtude tão esquecida nestes tempos ruidosos. Porque se a reputação de um trabalhador pode ser arrastada ao centro de uma controvérsia de procedência duvidosa, amanhã poderá ser a de qualquer um de nós.

E, nesse cenário, quem perde não é apenas Chagas Filho. Quem perde é a sociedade.

A Editoria

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