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Ignorar os riscos da inteligência artificial pode sair caro para sua empresa

Na coluna Empreender com Segurança desta semana, exploramos como a inteligência artificial pode ser uma aliada estratégica no mundo corporativo, sem deixar de lado os cuidados necessários para evitar armadilhas e maximizar seus benefícios

Dr. Jonathan Wesley Peres Coimbra (*)

A era da automação e da inteligência artificial, também conhecida como a 4ª Revolução Industrial, trouxe transformações significativas na forma como os negócios são conduzidos. Com ferramentas tecnológicas revolucionárias, empreendedores encontram novas formas de otimizar tarefas repetitivas, economizar tempo e aumentar a eficiência.

No entanto, junto aos benefícios, surgem desafios e riscos que não podem ser ignorados, especialmente no que diz respeito à conformidade jurídica e ao tratamento de dados pessoais.

Neste artigo, exploramos como a inteligência artificial pode ser uma aliada estratégica no mundo corporativo, sem deixar de lado os cuidados necessários para evitar armadilhas e maximizar seus benefícios.

Os benefícios da inteligência artificial

A inteligência artificial (IA) vem se consolidando como uma das forças motrizes da transformação digital em empresas de todos os segmentos. Trata-se de uma tecnologia capaz de revolucionar processos, simplificar tarefas complexas e potencializar resultados.

A cena parece perfeita: você acessa uma plataforma, preenche alguns dados e, em segundos, tem um contrato pronto para ser assinado. Prático, moderno, eficiente. Soma-se a isso a possibilidade de automação de tarefas administrativas, como a geração de notificações; análise de grandes volumes de dados em poucos segundos; personalização de serviços e produtos com base em dados de consumo — e uma infinidade de outras aplicações, conforme a criatividade do usuário.

Mas há um ponto cego que muitos empreendedores ignoram: a validade jurídica, o tratamento dos dados pessoais envolvidos e o risco de eventual responsabilização por erro.

Os riscos associados ao uso da inteligência artificial

O uso de tecnologias baseadas em IA traz riscos que devem ser monitorados com atenção, tanto em relação às informações fornecidas quanto ao tratamento de dados pessoais — especialmente no que se refere à responsabilidade civil por danos causados por decisões ou procedimentos automatizados.

Sobre o tema, tramita na Câmara dos Deputados o PL nº 2.338/2023, que propõe diretrizes para o uso responsável da inteligência artificial, com foco na responsabilização civil e na fiscalização de sua aplicação. O projeto também define os agentes responsáveis pelo tratamento dos dados e os grupos ou indivíduos potencialmente afetados.

Embora a tecnologia avance de forma acelerada, sua regulamentação ocorre de maneira mais lenta. Quando há normas aplicáveis, muitas vezes carecem de clareza, gerando insegurança jurídica. Afinal, estamos em uma “zona de penumbra”: quem deve ser responsabilizado por eventuais erros cometidos pela IA? Qual o limite e a extensão do dano? E quem responde dentro da cadeia de tratamento da tecnologia?

Em maio deste ano, por exemplo, o Google foi condenado a indenizar um empresário por danos morais, em razão de erro cometido por sua IA, que o indicou erroneamente como dono de uma casa de apostas online. A decisão foi proferida no processo nº 0837991-29.2024.8.19.0002, em trâmite na 5ª Vara Cível da Comarca de Niterói (RJ).

Já neste mês (junho, dia 11), Walt Disney e Universal moveram uma ação conjunta contra a empresa de inteligência artificial Midjourney, no Tribunal Distrital Federal de Los Angeles, alegando violação de direitos autorais. As produtoras acusam a empresa de “piratear” seus acervos, criando e distribuindo reproduções não autorizadas de personagens icônicos, como Darth Vader (Star Wars) e Elsa (Frozen), sem consentimento. O caso levanta discussões relevantes sobre como equilibrar inovação tecnológica e proteção da propriedade intelectual, podendo criar precedentes importantes para o futuro da indústria criativa na era da IA.

No âmbito empresarial, os riscos são igualmente relevantes. A utilização de IA em processos sem a devida revisão humana especializada pode comprometer a qualidade do serviço prestado. Ao criar contratos ou notificações automatizadas, por exemplo, termos inadequados podem ser inseridos, resultando em disputas jurídicas — seja pela abusividade das cláusulas, seja por eventuais danos à honra do destinatário.

Além dos erros que podem ser cometidos pela IA, é fundamental ter atenção quanto à coleta e ao uso de informações sensíveis pelas plataformas. Sem o consentimento explícito do titular, o controlador dos dados (no caso, o empreendedor) pode sofrer sanções severas, conforme previsto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD.

A maioria das plataformas automatizadas exige a inserção de dados pessoais — como nome, CPF, e-mail, CNPJ, endereço, entre outros. Isso já configura tratamento de dados, o que impõe ao empreendedor obrigações legais como controlador, conforme a LGPD.

Outro ponto crítico é que muitos empresários sequer avaliam se a LegalTech contratada possui uma política de privacidade transparente ou se está em conformidade com a LGPD. A ausência dessa diligência pode gerar responsabilidade solidária em caso de vazamentos ou incidentes de segurança.

O que o compliance exige nesse cenário

As empresas devem adotar programas de compliance digital para garantir conformidade com a LGPD e demais regulamentações. Isso inclui:

Auditorias regulares nas ferramentas de IA, com análise detalhada das políticas de privacidade das plataformas contratadas;
Criação de políticas claras de uso da IA e revisão periódica de procedimentos, com apoio jurídico;
Treinamento contínuo dos colaboradores sobre proteção de dados e riscos da automação;
Transparência com o titular dos dados, informando como suas informações são coletadas e utilizadas;
Inclusão do uso de IA no Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (DPIA), quando aplicável;
Supervisão e revisão humana especializada de conteúdos e decisões automatizadas.

Essas ações demonstram accountability, isto é, que a empresa possui evidências concretas que adotou medidas técnicas, administrativas e jurídicas adequadas para contenção de danos, sendo esse um dos princípios centrais da LGPD, e reduzem consideravelmente os riscos jurídicos em caso de questionamentos ou ações judiciais.

Empreendedores precisam estar atentos aos limites e responsabilidades no uso da inteligência artificial. Investir em conhecimento sobre as implicações legais e éticas dessas tecnologias é essencial para evitar problemas no futuro.

A automação é, sim, uma aliada poderosa do empreendedor moderno — mas isso não exime a empresa da responsabilidade. O uso de IA nos negócios requer mais do que cliques: exige consciência legal, análise crítica e compromisso com a segurança jurídica e com a proteção dos dados pessoais.

Na dúvida, automatize — mas com responsabilidade e supervisão jurídica.

(*) Jonathan Wesley Peres Coimbra é advogado no escritório RDS Advogados Associados e bacharel em Direito pela Faculdade dos Carajás.

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