Dr. Rodrigo Diogo (*)
A recente transformação do agronegócio brasileiro vai além da produtividade no campo. A agenda verde, a preservação ambiental e a necessidade de crédito compatível com a realidade sustentável do produtor rural abriram caminho para novos instrumentos jurídicos e financeiros. Um dos mais inovadores – e ainda pouco utilizado – é a Cédula de Produto Rural Verde (CPR Verde).
Mais do que um título de crédito, a CPR Verde representa a monetização de serviços ambientais prestados pela atividade rural, como conservação da vegetação nativa, sequestro de carbono, proteção de nascentes e manutenção da biodiversidade. Em outras palavras, o produtor que protege sua área de reserva legal, conserva o solo e preserva o bioma, agora pode transformar esse ativo ambiental em valor econômico real.
O que muitos ainda desconhecem é que essa CPR pode servir não apenas para captar recursos no mercado, mas também como instrumento de liquidação de passivos financeiros e até mesmo como elemento central em planos de reestruturação ou recuperação judicial.
A base legal e a possibilidade de uso como pagamento de dívida
Prevista na Lei 8.929/94 e regulamentada pelo Decreto nº 10.828/2021, aCPR Verde é um título de crédito com lastro ambiental. Ela deve ser registrada em entidade autorizada pelo Banco Central ou CVM, conferindo-lhe autenticidade, rastreabilidade e segurança jurídica.
A lógica do mercado é simples: investidores, empresas com compromissos ESG e instituições financeiras estão dispostos a pagar – ou aceitar em pagamento – por ativos que representem preservação ambiental mensurável. Isso permite ao produtor rural negociar com bancos e credores a possibilidade de utilizar CPRs Verdes como forma de pagamento ou abatimento de dívidas, por meio de acordo extrajudicial ou dação em pagamento, conforme previsto no Código Civil (art. 356).
Não é utopia: é realidade jurídica. Diversas operações já vêm sendo estruturadas com CPRs atreladas a compromissos ambientais. Empresas que desejam compensar emissões ou melhorar seus índices de sustentabilidade veem a CPR Verde como ativo financeiro legítimo.
Uso da CPR Verde em planos de recuperação judicial
Desde a promulgação da Lei 14.112/2020, produtores rurais com registro de atividade por mais de dois anos podem requerer recuperação judicial, como alternativa à falência ou ao endividamento incontrolável.
Nesse contexto, a CPR Verde surge como ativo valioso no plano de reestruturação, podendo:
Imagine um produtor com mil hectares de floresta preservada, ameaçado por dívidas bancárias e com dificuldade de acesso a crédito tradicional. Ao elaborar e registrar CPRs Verdes com lastro nessa preservação, ele pode negociar com investidores ou fundos ambientais a antecipação de valores e, com isso, quitar obrigações ou compor um plano financeiro mais robusto e atrativo.
Segurança jurídica e desafios práticos
Como todo instrumento inovador, a CPR Verde exige cuidados: é necessário laudo técnico que comprove a prestação dos serviços ambientais, estimativas de valor baseadas em critérios objetivos e, acima de tudo, estrutura jurídica clara e transparente.
No entanto, do ponto de vista legal, não há impedimento algum – ao contrário, há respaldo normativo e crescente interesse de mercado. O desafio é traduzir essa oportunidade ao produtor rural, permitindo que ele compreenda que sua responsabilidade ambiental não é apenas um dever: é também um ativo rentável e estratégico.
Conclusão: do passivo ao ativo, da crise à valorização
O produtor rural brasileiro está diante de uma das maiores oportunidades da sua história: converter sua prática sustentável em instrumento de liquidez, renegociação e superação de crises.
A CPR Verde não é uma solução mágica – mas é, sem dúvida, um novo caminho jurídico e financeiro que pode transformar passivo em ativo, dívida em crédito e crise em chance de recomeço.
Cabe ao produtor buscar orientação técnica e jurídica adequada para avaliar essa alternativa e, se for o caso, incorporá-la ao seu planejamento. O campo está mudando – e a lei, felizmente, está ao lado de quem preserva e produz com responsabilidade.
(*) O autor é advogado especialista em Direito Tributário e Empresarial, com atuação em reestruturação e recuperação de empresas do agronegócio.
Observação: O texto acima não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Vinícius Soares.