Opinião – Noé Lima da Silva (*)
A retomada do júri popular envolvendo Willian Araújo Sousa, marcada para o próximo dia 17 de novembro em Marabá, reacende uma discussão fundamental acerca da preservação das garantias constitucionais e processuais que devem orientar a Justiça brasileira. Como bacharel em Direito, graduado pela Faculdade UniProcessus em Brasília (DF), e atualmente aprofundando meus estudos na seara penal com a perspectiva de ingresso na Escola da Magistratura do Distrito Federal (ESMA-DF), sinto-me compelido a registrar publicamente minha posição em defesa do desaforamento do julgamento.
Antes de tudo, é necessário destacar o trabalho técnico e incansável da advogada Cristina Longo, que reassumiu a defesa de Will Sousa. Sua atuação reafirma a importância do advogado na administração da Justiça, função essencial prevista no artigo 133 da Constituição Federal de 1988: “O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” É essa garantia que assegura o equilíbrio no processo e protege os direitos fundamentais do acusado, mesmo diante do clamor social.
O pedido de desaforamento encontra amparo expresso no artigo 427 do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de deslocamento do julgamento para outra comarca quando houver dúvida sobre a imparcialidade dos jurados ou quando a ordem pública assim exigir. O artigo 428 do mesmo diploma processual reforça a medida como mecanismo de proteção à lisura do julgamento. No caso em questão, a intensa repercussão e comoção popular em Marabá revelam um risco concreto de que a imparcialidade, indispensável ao Tribunal do Júri, seja comprometida.
A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXVII, proíbe tribunais de exceção e, no inciso LIV, garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O mesmo artigo, no inciso LVII, assegura a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Além disso, o princípio do in dubio pro reo, pilar do Direito Penal e Processual Penal, determina que, na dúvida, deve prevalecer a solução mais favorável ao acusado. Tais princípios seriam esvaziados caso o julgamento se mantivesse em ambiente contaminado pela pressão social.
É inegável a dor da família de Flávia Alves Bezerra, cuja perda trágica abalou a comunidade local. Como ser humano, compreendo o sofrimento de sua mãe e de seus familiares. Todavia, como operador do Direito, entendo que o compromisso com a Justiça exige assegurar ao réu o direito de ser julgado de forma justa, imparcial e dentro das garantias previstas pela Constituição e pelas leis. O desaforamento não significa negar a dor da vítima, mas sim evitar que essa dor conduza a um julgamento marcado pela emoção, e não pela razão jurídica.
Do ponto de vista técnico, o desaforamento consiste na transferência do julgamento para outra comarca dentro da mesma região judiciária, medida que busca preservar a imparcialidade do júri e assegurar condições adequadas para o exercício da ampla defesa. É um instrumento legal que protege não apenas o réu, mas também o próprio sistema de Justiça, garantindo credibilidade e equilíbrio na aplicação do direito.
Defender o desaforamento neste caso é, portanto, defender a Constituição, o Código de Processo Penal e os princípios fundamentais que sustentam o Estado Democrático de Direito. É reafirmar que a Justiça deve ser feita, mas sem ceder a pressões externas que comprometam sua essência. Reafirmo, portanto, minha convicção: somente um julgamento imparcial poderá honrar tanto a memória da vítima quanto os direitos do acusado.
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