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Editorial: O que ninguém está falando sobre o processo de cassação de Toni Cunha

A abertura do processo de cassação do prefeito Toni Cunha (PL) virou o centro das atenções, mas será que estamos focando no que realmente importa? Estamos mais preocupados com a queda de um gestor do que com o desabastecimento de remédios nos hospitais?

EDITORIAL | Imagine uma casa onde os moradores, ao invés de se unirem para consertar o vazamento no telhado, começam a discutir sobre quem deve sair da cozinha. Enquanto isso, a água continua entrando, a estrutura fica comprometida e ninguém resolve o real problema. É isso que parece estar acontecendo em Marabá. A abertura do processo de cassação do prefeito Toni Cunha (PL) virou o centro das atenções, mas será que estamos focando no que realmente importa? Estamos mais preocupados com a queda de um gestor do que com o desabastecimento de remédios nos hospitais? Será que a instabilidade política serve aos interesses da população ou apenas acirra disputas que desviam o olhar dos desafios reais da cidade?

Enquanto parcela da população celebra a admissibilidade da denúncia e outra parte se indigna com o que chama de perseguição nas redes sociais, poucos se detêm no que realmente importa: o impacto dessa crise no cotidiano da cidade. Em vez de dedicar tempo e energia à resolução dos problemas mais urgentes — como os gargalos da saúde pública, o transporte público ineficiente, a precariedade da infraestrutura urbana e os desafios da educação —, Executivo e Legislativo parecem mergulhar em uma rota de colisão que ameaça paralisar a administração municipal.

As acusações formalizadas contra o prefeito são graves e, por si só, justificam a instauração da Comissão Processante. Entre os pontos destacados, estão a aquisição de medicamentos no valor de quase R$ 2 milhões sem licitação, a requisição administrativa do Hospital Santa Terezinha sem decreto de emergência, e suspeitas de conluio e sobrepreço em contrato de iluminação pública. Tais condutas, se comprovadas, podem configurar infrações político-administrativas previstas no Decreto-Lei nº 201/1967. A legislação prevê que gestores públicos que atentem contra os princípios da legalidade, moralidade e eficiência podem, sim, ser responsabilizados com a perda do cargo. No entanto, é preciso rigor técnico e isenção na análise dos fatos. A apuração deve ocorrer com base em provas robustas e garantir a ampla defesa e o contraditório, sem ceder a pressões externas ou interesses paralelos.

A Comissão Processante, nesse contexto, representa não um juízo antecipado, mas a oportunidade do denunciado para esclarecer os fatos com a transparência exigida. O prefeito, como servidor público, tem o dever de se explicar à população que o elegeu e o remunera. É legítimo e necessário que os vereadores investiguem a denúncia, mas qualquer decisão sobre a permanência ou afastamento do gestor deve estar ancorada em fundamentos jurídicos consistentes. Que se respeite, portanto, o princípio do in dubio pro reo, segundo o qual, na dúvida, deve-se favorecer o acusado, e também o princípio da presunção de inocência, até que se prove o contrário. O impeachment de um prefeito, por se tratar de ato político-jurídico sem precedentes em Marabá, não deve ser empregado como ferramenta de barganha ou retaliação pelos nobres edis.

Neste momento, Marabá exige maturidade institucional. A cidade não pode pagar o preço de uma crise política alimentada por disputas que desviam o foco do que realmente importa. Os vereadores, escolhidos para representar a população, têm a missão de conduzir essa investigação com seriedade, sem ceder a interesses pessoais ou pressões externas. Do outro lado, o prefeito deve responder aos questionamentos com transparência e argumentos concretos, ajudando a sociedade a entender o que de fato aconteceu. Só assim o processo poderá cumprir seu papel, longe de disputas eleitorais, e mais próximo do que se espera de uma democracia que funcione.

Se, ao término da investigação, as irregularidades forem confirmadas, o afastamento do prefeito se mostrará não apenas legítimo, mas necessário. Caso contrário, caberá à Câmara devolver a estabilidade à cidade, reconhecendo a inocência do gestor. O que não se pode aceitar é que Marabá, com seus inúmeros desafios sociais e estruturais, seja refém de disputas que nada têm a ver com os interesses da população. É tempo de responsabilidade — de todos os lados.

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